Tenho que admitir que analisar um jogo que é tecnicamente mais velho que eu é um belo de um desafio. Day of the Tentacle foi lançado inicialmente em 1993 pela LucasArts e se tornou um dos jogos mais aclamados da produtora, senão da história dos videogames. Eu o joguei pela primeira vez em 2001, época em que tive contato com todas as relíquias que meus avôs tinham (como um Atari 2600, um PC velho, um Mega Drive, Master System, Sega Saturn e vários outros) e após “zerar” Sonic The Hedgehog decidi me aventurar com aquele jogo que por alguma razão me lembrava desenhos como Animaniacs e Looney Tunes. Foi amor a primeira vista.
Não preciso dizer que pulei da cadeira quando soube que o jogo receberia uma versão remasterizada 23 anos depois de seu lançamento. Só de imaginar jogar a mesma maravilha que me marcou na infância hoje, com gráficos e som completamente refeitos e a garantia de que ele receberia por parte da Double Fine todo o cuidado que um jogo deste tamanho merece fui automaticamente jogado no trem do hype junto com todos os fãs dos jogos da LucasArts. E para analisá-lo vou tentar fazer o mesmo caminho que o meu amigo JV percorreu no maravilhoso review de Grim Fandango Remastered falando de cada aspecto separadamente. Vamos lá.
O enredo é o mesmo de antes. Um tentáculo roxo ingere lixo tóxico e decide dominar o mundo. Seu irmão, o tentáculo verde, convida os jovens Laverne, Bernard e Hoagie até a mansão do cientista louco Dr. Fred para impedir os planos maléficos de seu irmão. Chegando lá o trio descobre que o lixo tóxico provém da máquina Sludge-O-Matic de Dr. Fred que só existe para este fim – afinal, se ele não possuísse isso os outros cientistas loucos iriam rir dele – e a única maneira de parar o tentáculo roxo é viajar nas Chron-O-Johns (máquinas do tempo) de Dr. Fred e desligar a máquina ontem.
É claro que não poderia ser tão simples, isso porque o diamante que alimenta as Chron-O-Johns era falso e é destruído assim que os três viajam no tempo, fazendo com que Hoagie viaje 200 anos no passado, Laverne 200 anos no futuro e Bernard continue no presente. Sim, o jogo tem essa pegada difícil de acreditar que nos faz sentir como se estivéssemos dentro de um cartoon dos anos 90, e acredite, temos que jogá-lo com essa ideia em mente, temos que pensar como um personagem destes desenhos pensaria.
Essa premissa que pode parecer simples e doida demais é na verdade uma das maiores sacadas de Day of the Tentacle. Com cada um dos personagens preso em épocas diferentes da história, eles devem dar os próprios pulos para impedir a dominação do mundo e voltar ao presente. Conforme avançamos cada personagem necessitará de itens específicos que nem sempre estarão disponíveis… ou estarão, só que em outro tempo.
O puzzle base do jogo é passar itens para os outros personagens através da privada das Chron-O-Johns podendo mandar um item de 400 anos no passado que seja útil para Laverne, ou resolver lá do futuro um problema que Bernard está enfrentando no presente. Isso funciona de uma maneira tão simples e tão genial que surpreende o fato de que em 23 anos ninguém foi capaz de executar algo parecido, ou que pelo menos funcionasse tão bem como a mecânica de Day of the Tentacle funciona.
Problemas que o jogador enfrenta no futuro podem ser solucionados realizando algumas ações no passado e alguns itens que se necessite no futuro podem ser transformados em outras coisas se fizermos a coisa certa no passado. A história toda parece nonsense ao extremo, mas o uso da viagem temporal é tão mágico e simples que te prende no jogo apenas por ter a possibilidade de você testar o próprio raciocínio e ver o quão longe consegue ir sem alguma ajuda.
Mas não se engane, o jogo não é fácil. Alguns puzzles são simples e outros tão óbvios que te fazem ficar mais de uma hora pulando de tempo em tempo e percorrendo todos os cenários por algo que estava bem na sua frente. É aquele tipo de jogo que faz questão de jogar na sua cara o quão estúpido você é quando finalmente descobre o que era pra ser feito, e ele faz isso várias vezes.
Day of the Tentacle requer a sua atenção em todos os momentos, seja nos diálogos ou nas consequências de seus atos em um tempo diferente, essas são as únicas dicas que você terá e elas nem sempre são o suficiente, o que significa que você vai ter que suar para ver algum avanço. Por mais que essa dificuldade seja uma das características do jogo, a adição de um sistema de sugestões na versão remasterizada – que não ocorreu – seria um ótimo estímulo para os jogadores de hoje se aproximarem a adventures como esse.
O jogo se situa em apenas um lugar: a mansão da família Edison – só que em três épocas diferentes. No presente ela é um simples hotel; no passado ela é a casa dos Pais Fundadores dos Estados Unidos (Thomas Jefferson, John Hancock e George Washington), além de Benjamin Franklin que deseja descobrir a eletricidade; e no futuro ela é a base do Tentáculo Roxo que já dominou o mundo e escravizou todos os humanos. E mesmo sendo o mesmo lugar, a arte de cada uma das épocas é tão sensacional que nos sentimos em três lugares completamente diferentes.
Os personagens carregam todos características dos cartoons da época. Laverne é uma estudante de medicina com traços de insanidade que são explícitos por suas expressões, seu modo de falar e até pelo seu jeito de andar; Hoagie é o headbanger, aquele fã de heavy metal que anda por aí com cabelo grande [hu3] e camiseta de bandas e/ou caveiras, rosas, armas e coisas do tipo; já Bernard é o clássico nerd com óculos quadrados e camisa por dentro das calças. E por mais que esses tipos de estereótipos tenham ficado lá no passado, eles ainda existem em alguns lugares e ainda são aceitos hoje em dia, o que faz com que o jogo não fique tão datado neste aspecto.
Cada personagem tem seu estilo próprio e é fácil rir com qualquer um deles. O mais legal é que o humor do jogo não é nem um pouco forçado, ele se encaixa muito bem na personalidade de cada um e, aliás, é outro aspecto do jogo que não ficou datado, graças a Deus. Quando iniciei o jogo pela primeira vez tive dúvidas se iria rir e me divertir como fazia na minha infância e imagine você a alegria de saber que Day of the Tentacle causa o mesmo efeito depois de tanto tempo.
Falando de gameplay, Day of the Tentacle tem uma jogabilidade bem diferente de outros Point-and-Clicks e que ainda foi melhorada na versão remasterizada. No jogo podemos escolher o que fazer com um item, como abrir, fechar, usar de alguma forma, olhar e aplicar em outro item formando um item novo ou trocando ambos de lugar. No início é difícil pensar nisso, mas depois que se descobre que o simples fato de aplicar um sabonete num balde d’água transforma ambos em água com sabão (ORLY?) tudo fica muito mais fácil.
Em Day of the Tentacle Remastered a jogabilidade sofreu uma mudança que na minha visão foi perfeita. Agora podemos realizar uma ação apenas clicando num objeto e selecionando um ícone de uma pequena roda de de ícones que surge ao invés de continuar tendo que abrir o menu e selecionar uma linha de texto. Ficou muito mais simples e prático, algo que com toda certeza atrairá os jogadores mais novos.
E assim como em Grim Fandango Remastered, aqui também temos um novíssimo suporte a controle! Mais uma vez, a transição de teclado para controle foi muito bem feita e tenho que admitir que ambas se igualam no novo jogo, você se sente confortável jogando dos dois jeitos. E assim como em Grim Fandango, os comandos do jogo vêm configurados como se o jogador estivesse utilizando um controle de PS4, o que dificulta um pouco saber o que cada tecla do teclado faz, mas nada que 5 minutos de testes não esclareçam.
Ok, mas além dos comandos, o que esse Remastered no nome do jogo significa? Muita coisa. Primeiro de tudo, o visual do jogo foi totalmente redesenhado e agora está completamente em HD rodando a 1080p e 60fps. Os gráficos estão lindos, muito bem detalhados e ainda fiéis ao jogo original. Todos os objetos estão no seu devido lugar e os cenários estão idênticos, só que em alta definição.
Ao contrário de Grim Fandango Remastered, aqui a mudança gráfica é esmagadora e faz o jogo ficar idêntico a qualquer cartoon – essa que era a intenção inicial dos produtores em 93. Mesmo assim, os cenários não estão tão detalhados como eu achei que estariam e muitas vezes podemos passar reto por um item importante por pensar que ele faz parte do cenário.
É aí que entra a ação de iluminar os objetos, que nos mostra quais os objetos do cenário são “acionáveis”. Como eu disse anteriormente, não há um sistema de sugestões, então essa será a máxima ajuda que você poderá obter caso esteja completamente perdido.
E mesmo estando lindo de morrer, Day of the Tentacle Remastered pode não agradar a todos os antigos fãs do jogo, é por isso que a Double Fine optou por permitir que mudássemos o visual de remasterizado para clássico a qualquer momento. Com apenas um comando somos capazes de trocar a alta definição de 2016 pelo pixelado de 1993, o que não deixa margem para choro.
O som também foi completamente reajustado pela Double Fine e agora está fantástico. Os diálogos estão muito mais audíveis e claríssimos, sem qualquer chiado ou mudança repentina de tonalidade. Realmente parece que eles foram gravados ontem, e não há 23 anos. Algumas vezes eles aparecem dessincronizados com as legendas, algo que pode matar um pouco da graça de uma piada, mas não é uma coisa constante e nem chega a incomodar.
As músicas e efeitos sonoros também foram totalmente atualizados e se comunicam muito melhor com o visual construindo o sentimento de que estamos jogando um desenho interativo. Mais uma vez, é possível mudar as músicas e diálogos para a versão original caso você prefira.
Essa opção de poder mudar os gráficos, sons e jogabilidade para o estilo clássico evidenciam as intenções da Double Fine que não se tratavam de fazer um jogo novo, mas fazer uma homenagem aos fãs mais velhos e lhes dar umas bofetadas de nostalgia e proporcionar uma experiência prazerosa àqueles que nunca tinham ouvido falar no jogo.
Como novidades temos também um novo sistema de conquistas/troféus que possuem o mesmo feeling do jogo. Ainda há a opção de ativar comentários dos desenvolvedores e ouvir os relatos de toda a galera que foi responsável pela remasterização do jogo e os produtores do Day of the Tentacle original.
Também temos montes de artes conceituais que matam a curiosidade de qualquer um que queira saber como o jogo foi refeito. Podemos ver as diferenças entre a versão antiga e a nova e o processo pelo qual o jogo passou, sendo redesenhado cenário por cenário. Cada vez que visitamos uma área nova desbloqueamos uma nova concept art, algo que com toda certeza foi colocado ali para mostrar que não foi passado apenas um filtro de suavização, mas tudo foi redesenhado do zero.
É uma pena o jogo não ter legendas em português, seria a cereja do bolo para prospectar os jogadores de hoje em dia, principalmente aqueles que não manjam nada de inglês e que perderiam boa parte do humor do game por conta disso.
E se você ainda tiver alguma dúvida se Day of the Tentacle vale o preço cobrado, saiba que você não estará comprando apenas um jogo, e sim dois. Day of the Tentacle é na verdade uma continuação de Maniac Mansion, outro adventure da LucasArts que se passa dentro da mesma mansão que exploramos com Bernard, no presente.
Maniac Mansion é jogável num computador dentro de um dos quartos da mansão e proporciona mais umas horas de diversão e muito mais desafio. Este jogo, porém, não foi remasterizado, então você terá que jogá-lo na versão inicial que pode ter envelhecido meio mal, mas ainda possui o mesmo espírito de seu sucessor.
Dito tudo isso, não preciso dizer que Day of the Tentacle Remastered é um grande jogo e que você deve jogá-lo, certo? O jogo foi refeito para atingir o público atual e manteve suas características clássicas para alegrar os fãs antigos. Segue sendo atual, com humor e personagens pouquíssimos datados e é um dos poucos jogos atuais que conseguem fazer você dar boas risadas. Day of the Tentacle segue sendo um dos maiores adventure games da história.
Próxima parada: Full Throttle Remastered.
Review elaborado com uma cópia do jogo para PC fornecida pela desenvolvedora.
Resumo para os preguiçosos
Day of the Tentacle segue sendo um dos maiores adventure games da história e é sem dúvida um jogo para se colocar na lista de jogos para jogar antes de morrer. Mesmo 23 anos após seu lançamento o jogo segue tendo um gameplay único que funciona de maneira simples e genial que deixa todas as ações na mão do jogador mas não dá nenhuma dica do que deve ser feito.
Seu visual remasterizado pode não agradar todos os fãs do jogo original e para isso ele possui a opção de alternar entre a versão original e a nova, atendendo a qualquer um que o jogue. Seu som completamente em alta definição agradará a qualquer um e é um deleite para os ouvidos. A jogabilidade recebeu mudanças providenciais que facilitam e muito a vida do jogador. O novíssimo suporte a controles faz a ação de jogá-lo ser tão confortável quanto jogar no teclado.
O jogo segue sendo capaz de arrancar boas gargalhadas e possui uma história tão bem escrita que ainda impressiona. Você VAI querer jogar Day of the Tentacle Remastered e após ele você VAI querer jogar Maniac Mansion, que continua disponível dentro de seu antecessor.
Prós
- História simples e bem feita
- Sistema de puzzles segue sendo único e genial
- Seleção de diálogos que ajudam o jogador
- Jogabilidade aprimorada
- Visual em alta definição e som reajustado
- Possibilidade de alternar entre versão remasterizada e clássica com apenas um comando
- Possui uma versão jogável de Maniac Mansion
Contras
- Não possui sistema de sugestões
- Sem legendas em português