O escritor Paulo Coelho, autor de sucessos mundiais como O Alquimista, voltou aos holofotes ao revelar publicamente, após 45 anos de silêncio, uma ferida antiga relacionada ao período da ditadura militar brasileira. Em postagem nas redes sociais, Coelho comentou a hipótese de que Raul Seixas, seu parceiro musical nos anos 1970, possa tê-lo entregado às autoridades do regime militar em 1974. A revelação veio à tona após a publicação de trechos do livro Não diga que a canção está perdida, biografia de Raul escrita pelo jornalista Jotabê Medeiros.
A prisão e a suspeita de traição
Em maio de 1974, enquanto o disco Krig-ha, Bandolo! ganhava as rádios e vendia mais de 100 mil cópias, Paulo Coelho foi detido pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social), órgão de repressão da ditadura. Ele relata que sofreu torturas durante duas semanas, tendo sido capturado duas vezes em sequência, inclusive após ser liberado inicialmente pela polícia.
Segundo a obra de Medeiros, Raul Seixas teria sido chamado para depor dias antes e, ao retornar para uma nova visita ao Dops, levou Coelho consigo, possivelmente para esclarecer o conteúdo das composições assinadas pela dupla. Um documento do Arquivo Público do Rio de Janeiro, citado tanto na biografia de Medeiros quanto anteriormente por Fernando Morais, indica que o órgão chegou a Paulo “por intermédio do referido cantor”.
Ao comentar o assunto, Coelho foi cauteloso: “Não confirmei e não confirmo nada. Eu apenas vi o documento e me senti abandonado na época” (via G1).
Uma nova explicação emerge: a confusão entre nomes
Embora o documento tenha alimentado especulações sobre uma possível delação, estudos recentes lançam luz sobre outra possibilidade. De acordo com o pesquisador Lucas Marcelo Tomaz de Souza (via O Globo), autor de uma tese sobre a trajetória de Raul Seixas, Paulo Coelho pode ter sido confundido com um militante homônimo: Paulo Coelho Pinheiro, membro do extinto PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), que estava foragido à época.
O equívoco entre os nomes teria levado os militares a prender e torturar o escritor, acreditando se tratar do militante. A hipótese ganha força com depoimentos de um ex-companheiro de militância e do filho do verdadeiro Paulo Coelho Pinheiro, além de fichas policiais que misturam dados dos dois indivíduos.
Para o pesquisador, a tese de delação não se sustenta: “Paulo Coelho não era foragido, tinha emprego fixo e endereço conhecido. A polícia da época tinha recursos e inteligência suficientes para encontrá-lo sem intermediação”, argumenta Lucas Souza.
Silêncio, ressentimento e reconciliação
O episódio de 1974 deixou marcas profundas na relação entre os dois artistas. Após a prisão, Raul e Paulo passaram um longo período sem contato. Coelho relatou sentir-se abandonado, tanto durante a detenção quanto após ser solto. A ausência de apoio por parte de Raul foi um ponto de ruptura na amizade, que já era marcada por uma convivência intensa e, por vezes, conflituosa.
A parceria musical, no entanto, rendeu canções que se tornaram marcos da música brasileira, como Gita, Tente Outra Vez e Sociedade Alternativa. O relacionamento, descrito por Coelho como um “casamento sem sexo”, foi interrompido definitivamente em 1976, quando o escritor passou a se dedicar exclusivamente à literatura.
O reencontro entre os dois aconteceria anos depois, no Canecão, em 1989, durante um show de Raul. Paulo subiu ao palco para cantar ao lado do ex-parceiro. Poucos meses depois, Raul faleceria, e Paulo Coelho, ao receber a notícia, declarou ter sentido que o cantor havia “vivido sua lenda pessoal” (via El País).
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