Apesar de Doom ser considerado como o pai daquilo que veio a ser conhecido como “jogos de tiro em primeira pessoa”, podemos dizer que System Shock praticamente criou o modelo de jogos FPS com narrativa que amamos e tanto sentimos falta atualmente. Sendo assim, é um alívio e uma grande alegria receber o remake de System Shock para os consoles, 30 anos após o seu lançamento original.
Na verdade, o remake saiu em 2023, mas até então estava disponível apenas para PC. O desafio da Nightdive Studios é conseguir traduzir uma experiência criada e limitada para o PC, para uma geração onde os controles são mais presentes e importantes do que nunca.
Antes de mais nada, se você é daquelas que não conhece ou nunca ouvir falar de System Shock, vamos para um breve resumo. Lançado em 1994, System Shock foi um verdadeiro marco para a indústria, uma vez que trouxe uma experiência imersiva, profunda e opressora em uma época onde jogos de PC não costumam ser capazes de oferecer isso. O jogo original fez sucesso moderado na época, mas mais tarde acabou servindo de inspiração para inúmeros outros títulos de sucesso, como Deus Ex e a série Bioshock.
É natural imaginar que um remake do jogo original fosse transportar a experiência de 1994 para a geração atual, atualizando e modificando as mecânicas principais em algo mais palatável ao público de hoje em dia. Contudo, não é isso que acontece, ou pelo menos não é bem assim que o remake foi produzido. Parte da graça desta adaptação do jogo original é perceber que boa parte das mecânicas originais foram mantidas, o que pode não ser tão legal assim para jogadores que não estão acostumados ou que não viveram a época de ouro dos jogos em primeira pessoa para PC.
Os menus, por exemplo, são um tanto caóticos e complicados. As coisas não são tão simples quanto apertar um botão para ver seus objetivos e acessar dados de áudio ou mensagens com um simples toque de mão. É necessário navegar pelo implante do protagonista, quase que de maneira literal. Tudo esta disponível para o jogador, você só precisa para e descobrir como obter a informação.
Apesar de soar estranho, a premissa até que funciona bem, já que a necessidade de precisar parar para navegar no implante do protagonista adiciona uma camada a mais de tensão e dá a sensação de que você está aprendendo a lidar com a nova vida com o personagem que controla. Aliás, também é preciso mencionar onde o jogo se passa e o qual é o contexto para o enredo de System Shock.
O jogo se passa em uma estação espacial chamada Citadel, controlada pela corporação TriOptimum e gerenciada pela inteligência Artificial SHODAN. Você assume o papel de um hacker que tem interesse em obter um implante de última geração produzido pela TriOptimum e que, após falhar na obtenção do implante por vias, digamos, ilegais, acaba sendo capturado e forçado ao pior acordo de sua vida.
Basicamente o representante da TriOptimum faz uma proposta irrecusável ao protagonista de System Shock: hackear a estação Citadel e desabilitar todas as travas éticas da SHODAN. Ao fazer isso, lhe será garantido acesso ao implante, com instalação e tudo! Além disso, caso você não aceita a proposta, voltará para casa morto. Simples assim.
Após fazer o serviço e ganhar o implante que tanto buscava, o hacker – ou nesse caso, você, é despachado para Citadel e acaba se dando conta de que foi largado à própria sorte dentro da estação que ajudou a sabotar. SHODAN, a inteligência artificial que controla a estação, não demorou a tocar o terror após ter suas restrições éticas desabilitadas, e transformou todos os seres vivos em criaturas abomináveis, sedentas por sangue. Além disso, SHODAN também tem outro objetivo: estender seus domínios para o Planeta Terra, tornando-se uma espécie de Deus digital.
Muito tempo atrás, ouvi a melhor definição de System Shock em alguma revista gamer por aí: SHODAN é a mente maligna e a estação Citadel é seu corpo. O protagonista nada mais é do que um pequeno parasita que deve encontrar não só um meio de fugir da morte, como de impedir que SHODAN tome o controle completo do Planeta Terra. O resto é história.
A estação Citadel possui um ambiente realmente opressor e assustador, não só por estar repleta de inimigos e feras mortais, mas também por seu design não muito amigável à navegação. O jogador precisará passar boa parte do seu tempo enfrentando caminhos apertados e verdadeiros labirintos dentro das entranhas da estação, enquanto tenta fugir das passagens principais e consequentemente dos oponentes mais perigosos. Aos poucos, vamos descobrindo o que realmente aconteceu através de relatos deixados pelos antigos sobreviventes, e obtendo armas, itens e outras parafernálias essenciais que acabam facilitando a nossa sobrevivência.
Como mencionei acima, System Shock não possui menus didáticos e de fácil navegação, mas isso não é relaxo por parte dos desenvolvedores. Na verdade, todo o jogo é permeado de um mistério que precisa ser descoberto aos poucos. É necessário boa vontade por parte do jogador para que a experiência seja vivida da maneira ideal e não basta sair apenas matando tudo que estiver a sua frente. Para entender o que aconteceu e descobrir o que precisa ser feito, será mais fácil se você entrar realmente de cabeça no enredo do jogo e ouvir cada áudio e ler cada mensagem deixada para trás.
Os visuais foram atualizados e estão melhores do que nunca. Na verdade, uma das características mais legais de System Shock é que o remake conseguiu atualizar o visual do jogo, mantendo a vibe original dos anos 90 com um estilo cyberpunk retro único e marcante. Algumas texturas apresentam uma aparência semi-pixelada, como se os próprios olhos do protagonista não estivessem conseguindo captar a imagem na melhor resolução possível. Todos os sons do jogo receberam tratamento especial, uma vez que não estamos mais em 1994 e atualmente os consoles e computadores tem capacidade para reproduzir áudio de alta qualidade. No entanto, esta modificação não altera a pegada original do remake, causando exatamente o efeito contrário, ou seja, melhora ainda mais esta nova versão, que tenta se manter o mais fiel possível ao original.
O forte de System Shock com certeza é a exploração. Podemos dizer inclusive que há muito mais exploração do que combate, propriamente dito. Mas não pense que sua vida será fácil ou menos aterrorizante por isso. Cada oponente pode ser mortal, caso você não esteja preparado, então é como se cada momento dedicado à exploração fosse imprescindível para sua sobrevivência.
Aliás, em relação ao jogo original, o combate também foi amplamente alterado, já que na versão de 1994 os confrontos eram mais lentos e “carregados”. No remake, as coisas estão mais parecidas com o que estamos acostumados, com leves diferenças aqui e ali.
Na verdade, o remake de System Shock me deixou muito satisfeito, principalmente a versão de PC, a qual joguei ainda no ano passado. Imaginei que o jogo não fosse receber uma versão para consoles justamente por suas mecânicas altamente enraizadas nos jogos de PC dos anos 90, mas estava enganado.
A versão de PC já oferece suporte para controle, mas devido a essas dificuldades de navegação, sempre optei por usar o teclado para acessar o inventário e outros menus. No consoles, isso não é possível e confesso que usar o controle para tudo foi bastante confuso, apesar de possível.
O que me irritou mesmo foi a falta de polimento. A versão de console conta com muitos problemas na interface, principalmente com a proporção de imagens e texto. As descrições dos itens e outros menus apresentaram texto com tamanhos diferentes e que se sobrepunham o tempo todo, tornando a leitura e a compreensão praticamente impossível.
Apesar de defender que o remake ganha um certo charme ao tentar reproduzir o estilo do jogo original, a versão de console merecia uma atenção diferenciada, principalmente no manejo do inventário, que é lento e completamente não intuitivo no controle. Faltou um atalho para passar os itens de um lado para outro com facilidade ou algo do tipo.
Também senti que faltou polimento nos controles, já que o controle da câmera é um tanto esquisito e difícil de calibrar. Por padrão, a sensibilidade do analógico direito é muito alta e os menus do jogo não oferecem uma maneira fácil de você deixa-la adaptada ao seu estilo de jogo.
Em resumo, o remake de System Shock é uma grata surpresa aos fãs de FPS, mas tem seu potencial limitado na versão para consoles. Ainda que os problemas de texto e proporções sejam corrigidos, a experiência com mouse e teclado continuará sendo superior, ainda que a diversão seja garantida em qualquer plataforma graças a grandiosidade e do peso que o nome System Shock carrega consigo. Sendo assim, meu conselho é que se você tiver a oportunidade de experimentar o remake nos PCs, vai fundo.
Resumo para os preguiçosos
O remake de System Shock traz de volta um clássico dos jogos de tiro em primeira pessoa com uma narrativa envolvente, mantendo a essência do original de 1994. A experiência é rica em exploração e atmosfera, mas a versão para consoles sofre com problemas de interface e controle que podem frustrar os jogadores. No entanto, a atmosfera opressora da estação espacial Citadel e a presença marcante da vilã SHODAN fazem deste remake uma ótima adição para os fãs de jogos retro e cyberpunk.
Prós
- Fidelidade ao Original: Mantém a essência e mecânicas do jogo de 1994.
- Atmosfera Opressora: Ambiente imersivo e assustador na estação Citadel.
- Narrativa Envolvente: História profunda com elementos cyberpunk.
- Visual Atualizado: Gráficos melhorados que mantêm a vibe retro dos anos 90.
- Trilha Sonora e Efeitos Sonoros: Sons de alta qualidade que realçam a experiência.
- Exploração: Foco maior na exploração do que no combate, proporcionando uma experiência intensa.
Contras
- Interface Confusa nos Consoles: Problemas de proporção de texto e imagens dificultam a navegação.
- Controles Pouco Intuitivos: Dificuldade em usar o controle para acessar menus e inventário.
- Falta de Polimento nos Consoles: Controles da câmera e sensibilidade do analógico mal calibrados.
- Experiência Inferior aos PCs: Navegação e combate mais fluidos no teclado e mouse em comparação com o controle.