Spiritfarer se define como sendo um “gerenciador reconfortante sobre a morte”, algo que contrasta diretamente com o visual e a pegada “cute” do jogo. Num primeiro momento, relacionar o estilo de arte e as belas animações feitas cuidadosamente à mão com qualquer coisa relacionada à morte pode parecer esquisito, mas essa é somente a primeira grande surpresa que o título oferece.
Spiritfarer é uma obra criada com todo carinho e atenção aos detalhes, de uma forma que o produto final pode ser traduzido como um verdadeiro abraço reconfortante no fundo do seu coração. O objetivo do jogo parece ser mostrar que mesmo algo tão marcante como a morte e a despedida de alguém querido, não precisa ser tratado necessariamente como algo traumatizante e negativo.
Você assume o papel de Stella, uma simpática garota que por algum motivo foi incumbida da missão de assumir as funções de Caronte, o lendário barqueiro de Hades, responsável por conduzir as almas dos mortos através do rio Estige. Ao seu lado, está sempre a fiel Daffodil, que além de ser um dos principais atrativos visuais do jogo, será sua principal companheira de jornada.
A premissa principal de Spiritfarer é encontrar espíritos que vagam sem rumo e conduzi-los aos pós-vida. Para isso, você precisa manter esses espíritos no seu barco, e garantir que eles possam ter uma estadia confortável enquanto estiverem viajando.
A tarefa que pode parecer um tanto quanto simples, torna-se cada vez mais desafiadora após o jogo apresentar a personalidade de cada um dos espíritos com os quais você viajará. Isso faz com que você acabe se apegando à eles, e até mesmo associando alguns comportamentos específicos com pessoas que você conhece na vida real.
Para agradar cada um dos seus convidados, você precisa aos poucos garantir recursos suficientes para atender aos seus desejos. Suas necessidades vão desde um espaço pessoal para terem mais privacidade durante a viagem, até a realização de algumas atividades específicas que acabará por aproximar os laços entre a protagonista e os passageiros.
Existem dois pontos que considero positivos na forma como o jogo foi construído. O primeiro deles é o cuidado e o carinho do desenvolvimento de cada um dos personagens. Isso faz com que o jogador sinta-se legitimamente compelido a realizar algumas das atividades propostas pelo jogo, com o propósito quase real, de agradar um personagem claramente imaginário.
O outro ponto que mencionei, diz respeito a jornada de Stella e seus companheiros. Para atender a todos os desejos, são necessários recursos que só podem ser obtidos ao explorar o mapa. Portanto, parte do jogo consiste em organizar pequenas viagens até ilhas remotas e descobrir o que cada canto do mapa tem para te oferecer.
Após algumas viagens já será possível dedicar tempo aprimorando seu barco. Esses aprimoramentos permitem que você crie espaços com finalidades específicas, que podem tanto servir à propósitos puramente estéticos, ou até mesmo permitir que algum de seus passageiros possa produzir outros itens que poderão ser utilizados para outras finalidades.
Em alguns momentos, Spiritfarer parece único e inédito, ao mesmo tempo que lembra outros tantos jogos bacanas como Stardew Valley, The Sims e alguns clássicos de plataforma.
As atividades que você faz ao longo do gameplay vão sendo colocadas de maneira muito natural e confortável, sendo que em nenhum momento eu cheguei a considerar qualquer tarefa como um fardo, ou algo que não me parecesse ao menos, interessante.
As relações com os NPC’s são profundas e permitem que de fato, você sinta que está criando laços com cada um deles. Com o passar da jornada, você sente a importância real do papel que desempenha no jogo, de ser a companhia e a guia final dos espíritos que buscam cruzar os limites do pós-vida.
E assim, de uma maneira totalmente suave e delicada, Spiritfarer te faz dizer adeus à personagens que apesar de irreais, passam a ser queridos de verdade. Te faz valorizar a jornada que tiveram juntos, e memorar os bons momentos que apesar de recentes, possuem todos os ingredientes para serem considerados saudosos e inesquecíveis.
E com uma leve pontada de tristeza, me peguei quase que reaprendendo a dizer adeus. A sentir uma felicidade legítima ao constatar que muitas vezes alguém que nos é querido pode ser mais feliz caso se afaste ou vá embora, e que boas memórias guardadas com carinho podem ser mais valiosas do que uma convivência forçada, ou sofrida.
Provavelmente as despedidas de Spiritfarer tenham significados diferentes para cada um. É possível que você lembre de um parente querido que se foi, de um relacionamento antigo que acabou por qualquer motivo que seja… ou que simplesmente sinta saudade de alguém de quem era próximo, mas que acabou se afastando.
O importante é que Spiritfarer me foi um oásis de esperança, em um deserto de incertezas e temores chamado 2020.
Em termos de jogabilidade, a experiência pode ser vivida só ou em dupla, já que o jogo permite que duas pessoas compartilhem a tela ao simples conectar do segundo controle. Um controlando Stella, e o outro, Daffodil.
Minha única ressalva ao jogo é bastante pontual e diz respeito ao sentimento de que alguns detalhes específicos de alguns mapas poderiam ser mais objetivos. Em termos técnicos, não há ressalvas para essa obra de arte maravilhosa, que consegue ser um deleite aos olhos e um acalento ao coração.
Eu realmente não sei como descrever melhor o que senti jogando Spiritfarer. Este talvez seja o review mais esquisito que escrevi, já que simplesmente não sei a totalidade dos meu sentimentos. Enquanto digito cada palavra, me vem à memória alguns bons momentos do jogo, e tudo que consigo sentir é uma imensa gratidão por ter tido a oportunidade de viver algo tão intenso em um momento tão complicado das nossas vidas.
Espero que você também tenha a oportunidade de sentir e viver a proposta de Spiritfarer. Que se divirta ao longo da jornada e que consiga ter bons momentos de esperança com algo que parece tão simples quanto um jogo de vídeo game, mas que é tão profundo quanto uma narrativa construída com muito zelo, atenção e carinho por um time de pessoas que realmente queria transmitir uma mensagem positiva.
Review elaborado com uma cópia do jogo para PC fornecida pela desenvolvedora.
Resumo para os preguiçosos
Spiritfarer é um jogo diferente que diverte e emociona. Stella tem como missão desbravar um oceano e substituir o lendário Caronte, no papel de conduzir almas ao pós-vida. Ao lado da fiel Daffodil, o jogo te proporciona uma experiência pacífica, intensa e precisa, que pode te fazer repensar o significado das despedidas, e te mostrar que o importante muitas vezes não é o destino final de uma viagem, mas sim a própria jornada.
Prós
- Belas animações e personagens desenhados à mão.
- Experiência envolvente e acalentadora
- Enredo envolvente
- Lançado no Game Pass logo no lançamento
Contras
- Alguns mapas são levemente redundantes.