Se você era ouvinte assíduo do Nerdcast no começo da década passada, com certeza deve ter ouvido falar de Ruff Ghanor, retratado nos excelentes episódios de RPG do Podcast mais famoso do Brasil. É nessas histórias que se baseia o game Ruff Ghanor, produzido pela DX Gameworks e publicado pela Magalu Games.
Os Nerdcasts de RPG sempre se destacaram pela forma como os enredos se desenrolavam. Parte da graça dos episódios se dava pela sensação de simplicidade, causada pela interação dos personagens de uma partida de RPG entre amigos, porém com uma baita história narrada por Leonel Caldela, que dava o tom épico ao mesmo tempo, em que os eventos pareciam se desenrolar de maneira natural, descomplicada e até mesmo com um certa comicidade.
Fui muito fã do RPG de Ruff Ghanor e até li o primeiro livro oficial do Caldela, mesmo assim o lançamento do jogo me pegou de surpresa. Pensei ser arriscado produzir um jogo baseado na história do personagem, justamente pelo risco de entregar algo que ficasse abaixo da expectativa do público. Na verdade, já até esperava que o jogo não fosse lá grandes coisas, mas acabei me surpreendendo positivamente com o resultado!
Antes de continuar, saiba que também não sou muito fã de jogos de cartas como Slay the Empire. Portanto, minhas expectativas estavam lá embaixo.
Como já mencionado acima, Ruff Ghanor põe o jogador para explorar a estória deste personagem via um RPG de cartas. Em resumo, o enredo é norteado pelos livros já lançados e permite ao jogador explorar as situações vividas pelo personagem escolhendo suas ações através das cartas disponíveis no seu baralho.
Em termos visuais, Ruff Ghanor não deixa a desejar. Os cenários e os personagens dão impressão de serem totalmente desenhados a mão por alguém que leu os livros bem mais de uma única vez. É o tipo de arte que não parece ficar boa quando animada, mas o jogo faz um excelente trabalho neste aspecto.
Quanto ao estilo de jogo, Ruff Ghanor é um tanto difícil de classificar. O game mistura elementos de card game com algumas influências de roguelike, ao mesmo tempo, em que entrega tudo muito bem amarrado dentro do próprio contexto da história. Em alguns momentos, me senti jogando aqueles livros de RPG solo, aonde você vai se aprofundando na história com base nas escolhas que faz. A diferença é que em Ruff Ghanor, todas as suas escolhas parecem te levar de maneira natural ao desfecho da história, tal qual acontece nos episódios do Nerdcast RPG.
Cada capítulo oferece uma gama de possibilidades a serem exploradas no mapa. Cada uma dessas possibilidades recompensa o jogador de maneira diferente, podendo conceder uma carta ou relíquia. Com base nessas recompensas, o jogador vai criando seu deck e se preparando para os desafios que vem pela frente.
A parte interessante desta mecânica é que ela oferece uma sensação de RPG mesmo. Ou seja, são as escolhas do jogador que determinam o desenvolvimento de Ruff. Além disso, o game conta com uma característica que transcende a experiência do jogo e tem a ver diretamente com a forma como Leonel Caldela narra suas histórias.
Calda tem um estilo intimista. Uma das suas principais habilidades, na minha humilde opinião, é conseguir justificar algumas situações e tornar até mesmo o acontecimento mais fantasioso em algo verissímil e aceitável. As coisas parecem seguir uma lógica em seus livros, e alguns acontecimentos conseguem ser tanto inéditos quanto previsíveis.
A parte mais interessante e divertida do game é com certeza o combate. Cada personagem possui um deck específico, e apesar do jogo ser focado em Ruff Ghanor, você sente uma espécie de renovação toda vez que tem a oportunidade de lutar acompanhado.
Cada personagem permite que você altere sua estratégia de jogo, já que possuem habilidades únicas de defesa, ataque ou buff. Os inimigos também possuem suas próprias mecânicas, o que torna o desafio mais interessante. Não é porque você arrebentou na última luta, que pode pegar leve no seu próximo desafio. Ruff Ghanor continua sendo um card game e por isso tanto vinculado à sorte do jogador. Ainda assim, a melhor maneira de estar sempre preparado é entender o significado de cada carta e saber usá-las com maestria, ainda mais quando você percebe que a vida de Ruff não se regenera sozinha após cada batalha.
Ruff Ghanor não fica atrás de nenhum card game que tenha jogado. Talvez a parte que tenha me surpreendido de verdade, é que foi um dos únicos que me agradou de verdade, pela sua simplicidade. O jogo é direto, as cartas e seus efeitos são muito bem explicadas e as mecânicas não são difíceis de entender. Tudo flui muito fácil, apesar do jogo exigir atenção as suas táticas e oferecer um bom nível de desafio desde as primeiras batalhas.
Outro ponto que merece destaque é a imersão que o jogo causa, principalmente se você já tiver ouvido os Nerdcasts. A forma como a história é narrada, tanto via áudio, como texto, lembra muito a produção dos episódios, dando uma leve sensação de familiaridade.
Apesar do jogo começar muito bem e de ter me surpreendido positivamente, algumas coisas acabaram afetando minha experiência. Uma delas é que o jogo dá uma sensação de ser interminável em alguns momentos, principalmente após você morrer e precisar começar um ato inteiro novamente. A parte positiva é que você tem a oportunidade de escolher outros caminhos e descobrir qual será o resultado das suas novas escolhas. A parte negativa é que após morrer algumas vezes, as coisas começam a ficar um tanto monótonas.
Mesmo sendo um card game direto ao ponto, as mecânicas de combate dão a impressão de serem um tanto desbalanceadas em alguns momentos. Não dá para dizer se foi um descuido ou proposital, já que como mencionei acima, esse tipo de jogo exige uma certa dependência da sorte do jogador. Contudo, quando nos pegamos tendo que repetir um capítulo inteiro novamente, passamos a acreditar que a sorte poderia vir mais fácil, principalmente se desejamos descobrir o que acontece lá na frente.
De qualquer forma, Ruff Ghanor é um jogo marcante, com boas mecânicas e principalmente com uma ótima história. É óbvio que os fãs de longa data provavelmente terão mais motivos para gostarem do game, mas tenha certeza de que mesmo você nunca tendo ouvido falar sobre o menino cabra, vai conseguir se divertir e tirar bons momentos com esse baita card game.
Resumo para os preguiçosos
Ruff Ghanor surpreende positivamente com sua arte detalhada e mecânica de jogo que combina card game com elementos de roguelike, oferecendo uma experiência rica e estratégica. No entanto, enfrenta desafios com repetitividade e possíveis desequilíbrios no combate. Apesar desses pontos, o jogo se destaca pela sua narrativa envolvente e potencial de re-jogabilidade, agradando especialmente aos fãs da série e novatos no gênero.
Prós
- Arte e cenários impressionantes, sugerindo um profundo conhecimento e apreciação dos livros.
- Mecânica de jogo interessante que mistura card game com elementos de roguelike.
- A narrativa e as escolhas do jogador são bem integradas, proporcionando uma experiência imersiva.
- Personalização e estratégia no combate incentivam a re-jogabilidade.
Contras
- Sensação de repetitividade e possíveis desequilíbrios nas mecânicas de combate.
- A morte do personagem pode levar a um ciclo frustrante de repetição.