Psycho-Pass adquiriu uma grande base de fãs se distanciando da maioria dos temas abordados em animes policiais e construiu seu próprio universo, com uma pegada cyberpunk, mas futurista na medida certa e bem pés no chão, tendo como carro chefe a história e seu elenco de personagens que enfrentam situações que põem à prova seus princípios e a ideia de lei, ordem, certo e errado. Até que demorou para fazerem uma adaptação para videogames, mas Psycho-Pass: Mandatory Happiness finalmente chegou, para a alegria daqueles que já conheciam a obra, e indiferença daqueles que ainda não a conheciam.
Mandatory Happiness não é o melhor caminho caso você ainda não conheça Psycho-Pass. O anime ou mangá são as melhores maneiras de adentrar este universo, já que possuem uma história bem envolvente e informações mais do que suficientes para que você entenda tudo o que acontece e reflita sobre os temas abordados. A visual novel não faz isso tão bem quanto deveria, portanto não a considero convidativa para curiosos, apenas para aqueles que já são fãs do trabalho.
Psycho-Pass: Mandatory Happiness se passa no mesmo universo distópico do anime, num Japão governado pelo Sistema Sybil, que é capaz de julgar se a mentalidade de uma pessoa está sadia ou não, procurando evitar que elas virem criminosos e retirando da sociedade aquelas que já se tornaram. Esse julgamento é feito analisando o “Psycho-Pass” de cada cidadão, uma espécie de ranking que define o quão estável está a mente dessa pessoa e o quão próxima ela está de se tornar um criminoso latente. Nesse mundo as pessoas não chegam a tomar suas próprias decisões, vivem para manter seu Psycho-Pass limpo e cumprem seu papel para com a sociedade no lugar em que melhor se encaixam, segundo o julgamento do Sistema Sybil.
E para levar esse julgamento até aqueles que saem da linha, há o Departamento de Segurança formado por inspetores e executores. Os executores são criminosos latentes usados pelo sistema para combater outros criminosos latentes, que após retirados da sociedade acabaram servindo como “cães de caça”. Já os inspetores são os responsáveis pelos executores, que lideram as investigações e têm permissão para atirar em seus subordinados caso eles saiam da linha.
Mandatory Happiness foca nessa equipe, que traz de volta Akane, Gino, Kogami, Masaoka, Kagari, Kunizuka e Karanomori, os mesmos personagens do anime original, com a inclusão de dois novos protagonistas que o jogador pode escolher antes da campanha começar. Um deles é Takuma Tsurugi, um homem cujo Psycho-Pass escureceu cada vez mais enquanto ele buscava desesperadamente por sua amiga de infância, que desapareceu sem deixar rastros. Tsurugi logo tornou-se um criminoso latente, foi levado para a reabilitação e viu como única saída tornar-se um executor e usar a profissão para achar sua amiga.
Nadeshiko Kugatachi é a protagonista feminina, personagem que perdeu suas memórias durante um treinamento e mesmo sem recuperá-las decidiu continuar seu trabalho como inspetora, sendo enviada à Divisão 1 do Departamento de Segurança. É possível notar uma falha no roteiro já no início da campanha de Kugatachi, já que a Tokyo de Psycho-Pass é completamente vigiada e tem-se registro de tudo e todos, isso faz com que seja meio difícil de acreditar que o passado da personagem seja desconhecido por todos e, principalmente, que alguém sem passado seja nomeado inspetor.
Kugatachi e Tsurugi participam da campanha um do outro, com as mesmas personalidades e decisões, o que já deixa claro que as histórias de ambos possuem alguma relação. Essa relação se desenrola com o tempo, enquanto os casos vão sendo resolvidos e a trama fica mais complexa, de maneira similar ao que acontece no anime original, onde os casos apresentavam similaridades que revelavam sua conexão. Em vários momentos podemos perceber que as desenvolvedoras MAGES.INC. e 5pb. – que estiveram por trás das maravilhosas visual novels Steins;Gate e Steins;Gate 0 – escolheram jogar no fácil, sem criar conexões mirabolantes ou reviravoltas surpreendentes, algo que eu não considero ruim.
A premissa geral de Psycho-Pass e de qualquer adaptação que venha a ser feita em cima dela já possui solidez suficiente para que não sejam necessários (ou até permitidos) os plot-twists que as desenvolvedoras estão acostumadas a entregar. Ao invés disso, o foco está em como os personagens se comportam perante os acontecimentos que sempre os deixam em cima do muro entre a razão absoluta do Sistema Sybil e a compaixão pelos seres humanos e seus problemas que um dia foram considerados apenas parte da humanidade. Mandatory Happiness consegue fazer isso bem trazendo dois personagens com personalidades completamente opostas que reagem de maneiras diferentes diante das mesmas coisas e devem tomar decisões difíceis que fazem o jogador se colocar na pele deles e assim mergulhar completamente na trama.
Achei a escolha dos protagonistas bem acertada, mas não posso dizer o mesmo sobre nenhum dos personagens secundários (fora os que participam do anime) e nem do vilão escolhido. Enquanto os personagens secundários possuem histórias de fundo que retratam os acontecimentos reais na distopia de Psycho-Pass, nenhum deles chega a ser memorável. Já com o vilão é acontece exatamente o oposto, já que ele é memorável por ser o que é e por sua relação com o elenco, mas possui uma motivação boba (ligada diretamente ao título do jogo) que só serve para desenvolver os protagonistas.
Durante a campanha você ainda deverá tomar uma série de decisões que poderão mudar os rumos da história e o destino de seu personagem, principalmente caso não cuide do Psycho-Pass dele. Estas decisões, como você deve imaginar, definem em qual dos finais do jogo você chegará, sendo que cada um dos personagens possui múltiplos finais, que podem ser bons ou ruins. Mesmo se tratando de um spin-off, há um final que deve-se almejar, o famoso True Ending, e felizmente não é muito difícil chegar até ele.
Mandatory Happiness possui CGs com ilustrações de alto nível, assim como o anime original. Não há animações ou CGs especiais como em Steins;Gate, mas o padrão adotado em todo o jogo é muito bom. A Trilha sonora, por outro lado, não é marcante como a do material de origem, sendo que apenas nos momentos de perseguição ou ação as trilhas se mostram de algum valor.
O sistema in-game do jogo é o que mais decepciona de longe, sendo que algumas das decisões das desenvolvedoras não fazem sentido algum, visto que coisas melhores já foram empregadas em jogos anteriores. Por exemplo os Tips, palavras de suma importância na narrativa que são destacadas e possuem uma breve explicação; em Psycho-Pass: Mandatory Happiness elas são mostradas assim que são proferidas, mas para acessá-las é necessário abrir o menu de Tips e percorrer todo o alfabeto com centenas de expressões até encontrar a desejada, não há uma opção de “Tips recentes” como a presente em Steins;Gate e Steins;Gate 0, e isso fará muitos jogadores passarem direto por essas expressões e serem obrigados a visualizá-las depois por não estar entendendo algum detalhe da trama.
Também há eventuais problemas com saves que carregam no lugar errado da história (felizmente, basta reiniciar o jogo para resolver isso); o log de conversa não carrega as frases anteriores quando você continua um jogo salvo, fazendo você ficar boiando caso tenha salvo no meio de alguma cena importante e tenha esquecido o que está rolando; e, o mais triste, problemas de performance que fazem o jogo rodar a 10 frames por segundo em alguns momentos, algo imperdoável para um game feito apenas de animações e textos.
A dublagem de Mandatory Happiness é ótima, trazendo de volta as vozes dos personagens do anime e mantendo o padrão de qualidade japonês presente em jogos do gênero. O game contém apenas legendas em inglês, algo que pode ser o principal entrave até para fãs que queiram consumir mais Psycho-Pass mas não dominem a língua inglesa.
Mesmo com esses problemas e empecilhos, Psycho-Pass: Mandatory Happiness vai com certeza agradar aqueles que já são fãs do universo construído pelo anime e também aos fãs de visual novels que estejam interessados numa história mais adulta e séria, pés no chão e que aborde temas reais com boas doses de ficção.
Review elaborado utilizando uma cópia do jogo para PC fornecida pela Nis America.
Resumo para os preguiçosos
Psycho-Pass: Mandatory Happiness traz dois novos protagonistas numa nova trama situada no mesmo universo do anime de 2012 que traz de volta o mesmo elenco de personagens do material de origem. O jogador deverá escolher entre a inspetora Nadeshiko Kugatachi e o executor Takuma Tsurugi e ver suas histórias de desenvolverem e se entrelaçarem conforme o novo vilão da trama avança rumo ao seu objetivo principal.
Uma história mais adulta e séria, pés no chão e que aborda temas reais com boas doses de ficção, Mandatory Happiness é um prato cheio para fãs de Psycho-Pass, visual novels e animes policiais, mas não muito convidativo àqueles que não sabem nada sobre esse universo.
Prós
- Protagonistas marcantes com personalidades distintas
- Elenco antigo de volta
- Múltiplos finais
- Boa história
- Animações de qualidade
Contras
- Personagens secundários não são nada demais
- Motivação do vilão é fraca
- Trilha sonora não é tão marcante quanto poderia
- Decisões questionáveis no sistema in-game
- Problemas de performance