Hidetaka Miyazaki é uma mente privilegiada como poucas. Eu vivo falando de Dark Souls por aqui e não é por acaso, o jogo é um dos melhores exemplos de game design de todos os tempos. Tudo nele é muito bem pensado e parece ter sido desenvolvido com objetivos específicos em mente. Dark Souls II foi apenas supervisionado por Miyazaki, enquanto este estava desenvolvendo seu próximo título. Como já conversamos aqui antes, Dark Souls II é bom, mas não chega ao nível de Dark Souls original em termos de game design. Será Bloodborne o herdeiro legítimo? É o que vamos descobrir.
Em Bloodborne, você novamente controla um personagem nomeado e personalizado por você. Desta vez, o personagem viajou para Yharnam, uma cidade cuja lenda diz que possui a cura para todas as aflições. O problema é que, quando você chega lá, você descobre que a cidade está completamente arrasada e que os moradores dela estão contaminados por uma doença que transforma essas pessoas em bestas licantropos (os bons e velhos lobisomens) e agora deve se virar para sair de lá vivo, mas antes encontrar a cura para a aflição que você procura.
Para tal, você conta com um sistema de combate que tem cara de Dark Souls, mas com algumas diferenças sutis que mudaram completamente o sistema de combate. A princípio, você acha que na verdade é só “Dark Souls com lobisomens e pistolas” mas assim que você começar a jogar, é possível notar que as novidades introduzidas no combate mudaram ele significativamente. Para começar, todo mundo já deve saber que não há mais escudo. Até há um que você pode pegar depois de algumas horas de jogo, mas ele simplesmente não serve pra nada.
Ao invés de um escudo, você agora conta com uma pistola na sua mão esquerda, e muito mais agilidade para desviar dos seus inimigos. Tanto nos rolos para os lados quanto avançar e recuar, a agilidade do personagem principal de Bloodborne aumentou consideravelmente em relação a Dark Souls. Isso te dá uma compensação na capacidade de defender-se que foi diminuída, e abre margem para um combate muito mais dinâmico e focado no ataque, e não mais na defesa.
Eu tentei jogar Bloodborne como eu jogo Dark Souls pelas primeiras horas e o resultado não poderia ter sido pior. Muita gente, como eu, vai descobrir que atacar uma vez e sair, como fazíamos em Dark Souls, é a receita mais rápida para a nossa morte. Bloodborne é um jogo que força você a mudar a sua mentalidade. Você perde energia e morre em poucos golpes? Sim, mas agora você tem a habilidade de desviar desses ataques com mais precisão, e contra-atacar, tanto que a melhor estratégia para a maioria dos chefes e inimigos do jogo é colar nele, sentar o cacete e desviar dos ataques quando ele partir pra cima de você, ao invés de atacar, recuar, avançar, atacar novamente e assim por diante.
A pistola, que entrou para substituir o escudo, funciona para duas coisas: chamar a atenção de inimigos (como o arco fazia) e também para executar o “parry” do jogo, onde você dá um tiro no inimigo no momento exato em que ele está atacando para paralisa-lo. Esse novo sistema de parry meio que sintetiza o novo sistema de combate, onde você aposta mais alto, mas as recompensas são bem mais altas.
Outras novidades relevantes ainda para o sistema de combate é que não existe mais peso, o seu personagem sempre vai ser ágil e o sistema de magias foi tão simplificado que ele é quase inexistente. Bloodborne é um jogo focado em combate corporal e é assim que deve ser encarado. Para completar, agora há um botão dedicado apenas para você curar-se, o triângulo, abrindo assim espaço para que você tenha direito a atalhos para itens, ao invés de um. Isso confunde a cabeça às vezes, e muita gente boa vai morrer usando um item qualquer ao invés de se curar, mas é uma novidade importante e positiva.
Por falar nisso, a cura funciona no mesmo estilo de Demon’s Souls, ou seja, você não tem um item de cura que se recarrega após você sentar na fogueira (que nesse jogo são lanternas). Em Bloodborne, você tem que pegar frascos de sangue, que são deixados pelos inimigos. Eles são usados para cura. Aliás, muita coisa, fora o sistema de combate, segue o mesmo estilo colocado em Dark Souls, mas tudo o que tem “soul” no nome, deve ser trocado para “blood”.
Fechando o combate, nós temos as armas, que têm dois modos de ataque, que podem ser de duas mãos ou uma. Nesse último caso, a arma geralmente ganha mais alcance e poder de ataque, sob o custo de um pouco da sua velocidade de ataque. Isso abre possibilidades novas para o combate, já que você vai encarar grandes grupos de inimigos em diversas situações, mas como a sua navegabilidade aumentou consideravelmente, é muito divertido chamar vários inimigos pra luta e sair entre eles distribuindo a porrada.
Além do combate modificado, Bloodborne traz novamente o que eu havia comentado anteriormente, a essência que transforma Dark Souls numa obra prima. As áreas do jogo são muito bem pensadas, cheia de nuances e atalhos e, quando você vê, você abriu uma porta que te deixa voltar pro começo de tudo, e aí percebe que, aquele monte de área percorrida na verdade é muito menor do que você imagina. Isso volta com mais força ainda em Bloodborne. Os atalhos são frequentes e fáceis de serem perdidos, mas estão ali para os mais atentos.
Por falar nisso, a exploração também é um componente importante do jogo. Você até aprende mais sobre o mundo em que o jogo se desenrola no começo, mas logo voltamos àquele ambiente onde você só aprende de fato sobre o mundo se procura. A história continua sendo minimalista, e há alguns detalhes que só percebe quem procura mesmo, incluindo uma área do jogo, onde você deve ser morto por um inimigo em específico para acessa-la.
Uma coisa que Bloodborne tem muito mais do que qualquer outro jogo de Miyazaki são sustos e momentos que te pegam de surpresa. Volta e meia algum inimigo sai de sabe-se lá qual ponto cego e te acerta. Um deles, o mais agoniante de todos, inclusive, é uma velha com uma foice, que te pega por trás do nada e te degola, enquanto você vê o seu sangue jorrando pelo chão e seu personagem desfalecendo. Bloodborne não é um jogo de terror, mas ele é um jogo que volta e meia te manda um soco surpresa no nariz pra você ficar alerta e não se sentir tão confortável assim.
Como de costume, o jogo conta com um modo multiplayer onde você invoca jogadores ao seu mundo para ajudar. Há uma novidade aqui para você encontrar os seus amigos mais facilmente, pois agora é possível colocar uma senha na sua sessão de jogo. Todo o multiplayer custa pontos de Insight (aqueles que ficam do lado da sua quantidade de blood) e você só tem acesso ao PVP do jogo quando tem mais de 30 pontos, mas ele felizmente não desaparece quando você morre.
Para completar, ainda há uma série de dungeons aleatórios que liberam após você conseguir um dos quatro cálices do jogo. Eles adicionam um fator replay bem interessante ao jogo, já que são criados proceduralmente, ou seja, você nunca mais vai ver o mesmo dungeon, outra maneira do jogo de não te deixar tão confortável assim com o desafio.
Mas e no fim das contas, o jogo realmente é tão bom quanto Dark Souls? Sim, ele é. É possível ver nesse jogo a diferença entre a mão do criador e a mão de alguém que trabalhou com o criador, como no caso de Dark Souls II. O jogo tem mapas e o desafio em si muito bem pensado. Ele te desafia a pensar, a usar estratégias diferentes, a nunca sentir-se confortável. Ele também não apresenta desafios injustos. Tudo pode ser vencido na habilidade e usando o cérebro, ao invés dos músculos. São tantos detalhes a se cobrir sobre o como esse jogo é feito da maneira certa que fica difícil de não fazer um livro, ao invés de um review que deveria ser curto (e que já não é) porém completo (o que também não é porque eu teria muito mais coisas a falar aqui). Mas resumindo, sim, Bloodborne merece estar nessa lista seleta de jogos.
Graficamente, Bloodborne é muito bonito, mas o jogo ainda apresenta alguns problemas de otimização aqui e ali, principalmente na área Old Yharnam, onde ambientes com fogo e fumaça fazem o framerate do PlayStation 4 cair e fazer você sentir uns engasgos. Outro ponto importante é que o jogo tem tempos de carregamento bem grandes, sendo que um e outro leva cerca de um minuto. A From Software prometeu um patch no futuro para corrigir esses problemas, mas vale a menção disso.
A trilha sonora do jogo também é muito boa e a dublagem está excelente. Por falar nisso, eu joguei algumas partes do jogo com a dublagem em português e ela também está bem executada. Felizmente, é possível escolher qual a combinação de dublagem e legendas que você quer usar no game, então é possível jogar com o áudio em inglês e as legendas em português, por exemplo.
Review elaborado usando uma cópia de Bloodborne para PS4 fornecida pela Sony do Brasil
Resumo para os preguiçosos
Bloodborne é um jogo a altura da genialidade de seu criador. Ele tem um design de cenários como poucos, um sistema de combate excelente e que proporciona momentos memoráveis. Veteranos de Dark Souls vão ter que mudar sua mentalidade de combate nesse jogo, mas a mudança é muito bem-vinda. Para completar, o game ainda tem belos gráficos e trilha sonora, ainda que alguns engasgos de performance e tempos de carregamento longos incomodem.
Prós
- Sistema de combate renovado e muito divertido
- Chefes e momentos memoráveis
- Os inimigos realmente apresentam variação
- Vários momentos de desafio que não te deixam ficar confortável com as próprias habilidades
- A arquitetura e os visuais de Yharnam são muito bonitos
- Dungeons aleatórias para aumentar o fator replay
Contras
- Alguns engasgos na performance do jogo
- Loadings demorados entre as áreas
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