O filme O Poço (The Platform), dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, é uma obra que mistura ficção distópica com fortes críticas sociais. A narrativa se passa em uma prisão vertical, onde os presos são alimentados diariamente por uma plataforma que desce de nível em nível, começando do topo, no chamado “Nível 0”, onde a comida é preparada. O sistema sugere que, se cada preso consumisse apenas o necessário, haveria comida para todos. No entanto, a ganância, o egoísmo e o desespero tornam essa distribuição injusta, e aqueles nos níveis mais baixos acabam sofrendo com a fome e a violência.
O protagonista, Goreng (Iván Massagué), se voluntaria para passar seis meses no “Centro Vertical de Autogestão” em troca de um diploma e da chance de parar de fumar. Logo no início, Goreng divide a cela com Trimagasi (Zorion Eguileor), um preso mais velho e cínico, que já passou por diversos níveis, incluindo os mais baixos. Enquanto estão juntos no nível 48, Trimagasi explica a brutal realidade do lugar: a cada mês, os presos são aleatoriamente redistribuídos pelos níveis, e os mais abaixo muitas vezes precisam recorrer ao canibalismo para sobreviver.
A alegoria central do filme é uma crítica ao sistema capitalista e às desigualdades sociais. A “plataforma” de comida representa os recursos que, no topo, são abundantemente consumidos pelos mais privilegiados, enquanto os menos afortunados, nos níveis inferiores, sofrem com a escassez. A inversão mensal dos níveis também reflete a possibilidade de ascensão social, mas, em vez de criar solidariedade, essa mudança reforça a lógica de que, uma vez no topo, as pessoas se tornam egoístas e desprezam quem está abaixo. Esse comportamento reflete uma visão de que, na busca pelo poder e recursos, os marginalizados acabam se destruindo entre si, sem nunca alcançar aqueles que realmente controlam o sistema.
Goreng, ao longo do filme, luta para manter sua sanidade e busca uma maneira de mudar o sistema. Em um momento, tenta convencer seus companheiros de cela nos níveis abaixo a comer apenas o necessário para que haja comida para todos. No entanto, sua tentativa é frustrada pela falta de cooperação e pela brutalidade inerente à situação. A mudança real só começa quando Goreng conhece Baharat (Emilio Buale Coka), outro preso que deseja subir ao nível 0. Juntos, eles embarcam em uma jornada pela plataforma, descendo por todos os níveis e tentando garantir que cada pessoa consuma apenas sua parte. Ao longo do caminho, enfrentam resistência, violência e desespero, enquanto a quantidade de comida vai se esgotando à medida que descem mais fundo.
A grande revelação do filme acontece quando Goreng e Baharat chegam ao nível 333, onde encontram uma menina, que vive sozinha. A administração do poço afirmava que não havia crianças no lugar, o que torna a descoberta ainda mais chocante. A menina representa a mensagem que Goreng e Baharat procuravam enviar ao nível 0 – uma mensagem de que o sistema está falido e que aqueles mais vulneráveis, como as crianças, são os que mais sofrem. A presença da menina contradiz tudo o que a administração dizia sobre a organização da prisão e simboliza a esperança de uma mudança verdadeira.
No final, Goreng decide não retornar com a criança à superfície. Ele permanece no poço, enquanto a menina sobe como a verdadeira mensagem. Esse ato de Goreng pode ser interpretado de várias formas. Em uma leitura mais religiosa, ele assume um papel messiânico, sacrificando-se pelo bem maior, permitindo que a mensagem de inocência e esperança seja enviada sem a sua presença. Outra interpretação possível é que Goreng, após cometer diversos atos violentos para sobreviver, sente que não pode mais retornar ao “mundo real”. Sua decisão de ficar no poço também reflete sua conexão com o livro que escolheu levar consigo, Dom Quixote, em que o protagonista luta por um ideal maior, mesmo que saiba que não será o herói da história.
A escolha de Goreng de permanecer no poço também reforça a metáfora do filme sobre o inferno. A prisão é frequentemente comparada ao conceito de “O Poço” ou “The Pit”, uma referência a um inferno literal e figurativo, onde os presos são punidos por seus pecados e obrigados a lutar por sua sobrevivência. Nesse sentido, Goreng aceita seu destino, permanecendo no inferno como uma forma de penitência pelos seus atos.
O final de O Poço deixa em aberto a possibilidade de mudanças. A menina, como símbolo de esperança e inocência, é enviada para o nível 0 como um sinal de que o sistema precisa ser reformado. Ao mesmo tempo, o sacrifício de Goreng sugere que qualquer mudança real exigirá grandes sacrifícios pessoais e coletivos. A crítica do filme, portanto, vai além de uma simples análise das desigualdades sociais; ela questiona a própria natureza da humanidade e como, dentro de um sistema falido, as pessoas se destroem mutuamente em vez de buscarem soluções coletivas.
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