Achar uma vocação é um dos desafios mais difíceis da vida de qualquer pessoa. A simples ideia de fazer uma mesma coisa pelo resto da vida é algo capaz de apavorar a muitos, afinal, se o que fazemos hoje não é nossa real vocação, qual o propósito de estarmos fazendo isso? Estamos mais próximos de encontrar nosso real propósito?
É difícil pensar em um jogo que aborde um tema tão complexo, afinal, podemos fazer praticamente qualquer coisa em jogos e ser quem nós quisermos. Após conhecer Moonlighter você mudará de ideia: o game indie possui uma proposta nada habitual que mescla diversos gêneros e elementos e ainda mascara a mensagem de que não há apenas uma real vocação em sua simples história.
O que é Moonlighter e por que ele é um bom jogo explicaremos a seguir.
Há várias formas de descrever Moonlighter. Se formos pelo lado técnico, é possível descrevê-lo como um RPG dungeon crawler com câmera isométrica, elementos de rogue-lite, mapas gerados proceduralmente e sistema de tentativa e erro que recompensa o jogador como poucos títulos.
Nessa descrição estão inclusos diferentes aspectos do jogo, mas não todos. Tampouco é possível entender sua qualidade através dela, apesar de todos esses termos servirem para mostrar como a desenvolvedora Digital Sun deve ser louvada pelo excelente trabalho e capacidade de unir tantos elementos diferentes em uma mesma formula que prende e cativa o jogador.
Em poucas palavras, a proposta de Moonlighter é pescar e vender o peixe. Todo o game gira em torno de duas tarefas nada simples:
- Explorar calabouços, eliminar criaturas e coletar o máximo de loot possível;
- Vender o loot em uma lojinha pelo melhor preço possível deixando os clientes satisfeitos.
No game o jogador controla Will, um jovem mercador que herdou uma pequena loja de seu avô. Ao ser apresentado à sua herança por um simpático idoso, Will é logo alertado para não explorar os calabouços que ficam fora da cidade. Em seguida, ele ganha uma espada e escudo do mesmo idoso, porque ¯\_(ツ)_/¯.
Com seu equipamento e toda a coragem da juventude, Will parte em direção ao único calabouço que mercadores têm permissão para explorar. Lá ele encontra criaturas estranhas, monstros de geleia, mãos gigantes, potes que cospem água, estátuas móveis e baús assassinos. Ao matar cada um desses monstros uma quantidade aleatória de itens aleatórios se apresenta a ele.
Will logo descobre que tais itens podem ser vendidos em sua lojinha e com o dinheiro ganho ele pode melhorar suas armas, construir armaduras e fabricar poções para ir mais longe nos calabouços e descobrir o que há no final deles.
No entanto, vender os itens não é nada fácil. Como se trata de uma prática nada popular, Will deve descobrir o valor de cada um precificando-os manualmente e observando as reações de seus clientes. O sistema, apesar de simples, mostra-se muito divertido logo de cara, sendo um dos principais destaques de Moonlighter.
No início é fácil ver vários rostos zangados — significa que o item está muito mais caro do que realmente vale — ou rostos com moedas nos olhos — significa que o item está muito mais barato do que realmente vale.
O desafio está em alterar o preço dos itens de forma que o cliente fique satisfeito com o valor e o jogador não perca muito dinheiro vendendo produtos muito baratos ou deixando de vendê-los. Isso leva tempo, afinal, no jogo há também clientes generosos que pagam mais do que um produto realmente vale e impedem o jogador de saber se o item estava caro ou não. Ladrões constantemente entram na loja e tentam levar alguma coisa, obrigando o jogador a ficar sempre atento para não perder itens valiosos.
Todo esse processo de venda, que é simples na prática mas demanda esforço do jogador, evolui com o tempo, conforme a loja de Will vai sendo melhorada. Além de caixas com produtos em promoção, as atualizações da loja trazem caixas que protegem itens de ladrões, decorações que potencializam reações e acontecimentos dentro da loja e baús para guardar mais itens.
Essas melhorias, porém, só podem ser acessadas quando o protagonista atinge um certo nível de popularidade em Rynoka, a cidade do jogo. E como a popularidade aumenta? Vencendo os calabouços.
Cada uma das quatro dungeons de Moonlighter possui três andares, cada um mais difícil do que o anterior. Após o terceiro andar temos o desafio final: um chefe gigante com habilidades similares às de vários inimigos menores enfrentados na dungeon (só que usados simultaneamente).
Apesar de parecer fácil após vencida uma vez, uma única dungeon é capaz de tomar até uma semana do jogador. A única forma de evoluir no jogo é vencendo os calabouços — o preço máximo dos itens vai apenas até certo patamar, novas armaduras e armas precisam de itens não encontrados em qualquer dungeon e melhorias na loja dependem de popularidade.
O jogador tem apenas uma vida após adentrar a área, devendo terminá-la com essa vida e perdendo todo seu loot caso morra. Há formas de fugir caso a bolsa já esteja cheia ou o jogador se veja em uma situação de morte eminente, além de portais que possibilitam o retorno ao mesmo andar da área após sair — normalmente, o jogador retorna ao início do primeiro andar após sair de uma dungeon.
Decorar a organização dos andares não é uma opção: as dungeons, apesar de seguirem alguns padrões, são geradas proceduralmente. Isso significa que cada aventura é completamente diferente e o jogador nunca sabe que inimigos escondem-se atrás de uma porta.
Essa sensação de desconhecido também se aplica aos itens. Nunca se sabe que itens serão encontrados em baús os aparecerão após inimigos serem mortos. Sempre que encontrar um novo item, o jogador não saberá se o produto é barato ou caro, devendo optar por mantê-lo na bolsa ou descartá-lo para levar algo mais valioso. A bolsa de Will tem espaço para apenas 20 itens diferentes e isso não muda até o final do jogo.
Lidar com os itens na bolsa e organizá-los da melhor forma é outra tarefa simples e complicada do jogo que pode tomar vários minutos dependendo do quanto o jogador conhece sobre os itens e inimigos dos quais eles droparam.
Em uma certa altura, Moonlighter cai na repetição que está sujeito qualquer rogue-lite. É claro, tudo depende do tempo que o jogador levará para evoluir seu equipamento e vencer cada uma das dungeons, mas é bem provável que o game torne-se um “explorar, coletar, fugir, vender, repetir” cansativo.
Rynoka é uma cidade pequena que não oferece muito conteúdo para que o jogador fuja desse sentimento de repetitividade. Temos uma forja, uma loja de poções, uma venda concorrente, uma loja de decorações e nada muito além disso. Caso queira, o jogador pode conversar com NPCs e ver cachorros latirem, mas logo verá que Moonlighter concentra-se quase que inteiramente na loja e nas dungeons.
Apesar disso, o jogo dificilmente afasta o jogador que é pego pelo desafio e tem sede de vencê-lo. A repetitividade é quebrada em partes pela aleatoriedade dos mapas e há sempre desafios e tarefas que exigem comportamento diferente por parte do jogador.
Por exemplo, caso passe muito tempo em um mesmo andar ou encontre um item em uma área secreta do calabouço, Will passa a ser perseguido por um ser de gosma que atravessa paredes, devora todo o loot encontrado e é capaz de matá-lo com um único golpe. A única forma de fugir da criatura é achar a porta para o andar seguinte ou fugir da dungeon usando um amuleto.
Clientes também podem fazer encomendas eventualmente, definindo os itens que querem e para quando querem. Caso esteja disposto, o jogador pode partir em uma aventura para coletar tais itens e entregar ao cliente na data marcada. O valor normalmente é maior do que o habitual.
Os gráficos, o som e o desempenho de Moonlighter
Na parte visual Moonligher dá um show. Seus gráficos são muito belos, os cenários são cheios de detalhes e muito bem construídos, cada inimigo é facilmente lembrado e os chefes são ameaçadores.
No som não é diferente, o jogo possui trilhas diferentes para cada tipo de dungeon, para chefes, para a loja e também para a cidade, deixando o jogador instantaneamente no clima do desafio ou relaxado nos momentos de vender os itens coletados e gastar o dinheiro ganho. Os efeitos sonoros também merecem destaque pela precisão, uma vez que possibilitam que o jogador identifique ações de inimigos antes que elas sejam realizadas e que ele tome decisões baseadas apenas no som.
A versão que testei é a de Nintendo Switch e, durante as semanas anteriores e posteriores ao lançamento, o desempenho do game estava sofrível depois da segunda dungeon. Após duas atualizações, Moonlighter voltou a ficar jogável no portátil, apesar de ainda apresentar slowdowns vez ou outra e recuperar-se rapidamente — passando a sensação de que frames estão sendo comidos constantemente.
Moonlighter é bom?
Sim, Moonlighter é um grande jogo, recomendado para fãs de The Legend of Zelda, RPGs simples ou de jogos que tenham propostas diferentes e consigam mesclar diferentes estilos e elementos em uma mesma fórmula.
A história do jogo fica para segundo plano, já que o destaque é dado para a exploração e vendas. A mensagem principal, no entanto, é bem clara, e se uma das suas vocações for ser um jogador disposto a explorar, dê uma chance a Moonlighter.
Review elaborado com uma cópia do jogo para Nintendo Switch fornecida pela publisher.
Resumo para os preguiçosos
Moonlighter é um grande jogo, recomendado para fãs de The Legend of Zelda, RPGs simples ou de jogos que tenham propostas diferentes e consigam mesclar diferentes estilos e elementos em uma mesma fórmula. Seus gráficos e trilha sonora são excelentes, a jogabilidade é divertida e os desafios são muitos.
A história do jogo fica para segundo plano, já que o destaque é dado para a exploração e vendas. A mensagem principal, no entanto, é bem clara, e se uma das suas vocações for ser um jogador disposto a explorar, dê uma chance a Moonlighter.
Prós
- Calabouços gerados proceduralmente
- Sistema de preços e reações de clientes bem feito
- Diversas melhorias de loja, armas e armaduras
- Desafios de todos os tipos
- Gráficos e trilha sonora memoráveis
Contras
- Cedo ou tarde, a repetitividade vem
- Rynoka não tem muito conteúdo a oferecer
- Problemas de performance atrapalham a experiência