Inaugurada pela Capcom em 2001, a série Mega Man Battle Network é praticamente sinônimo do ciclo de vida do Game Boy Advance, trazendo para ele uma série de jogos que mostravam uma versão alternativa do mundo de Mega Man. Nela, o famoso robô virava uma espécie de assistente pessoal, que navegava pela internet destruindo vírus e descobrindo os segredos de uma sociedade hiperconectada.
Em Mega Man Battle Network Legacy Collection, a desenvolvedora japonesa volta a revisitar a franquia, a disponibilizando de forma completa em dois pacotes. Enquanto no primeiro temos os três primeiros jogos (sendo que o terceiro deles possui duas versões), no segundo encontramos um total de seis títulos completos — na prática, são três as aventuras, mas cada uma delas também possui duas versões.
Apesar da quantidade grande de games disponíveis, todos são bastante semelhantes e seguem algumas regras básicas. A série se diferencia tanto pela temática quanto pelo gameplay, que é baseado no uso de cartas e de um quadro de movimentos com três linhas e três colunas, pelas quais o personagem pode se movimentar com certa liberdade durante as batalhas.
Já a exploração é feita com uma câmera visão isométrica típica de um RPG, se dividindo entre os momentos em que controlamos o menino Lan Hikari e seu assistente MegaMan.EXE. Nesses momentos, os games privilegiam mais os diálogos e a interação com os ambientes, que quase sempre acabam levando o jogador para algum trecho ou batalha no mundo virtual.
Mega Man Battle Network tem temas que envelheceram pouco
Como Mega Man Battle Network Legacy Collection se trata de uma coletânea inspirada em jogos do Game Boy Advance, deve ficar claro desde o primeiro momento que ela não se trata de um primor visual. Ao mesmo tempo, os pixels do console portátil foram muito bem adaptados pela Capcom e, se parecem um pouquinho borrados após passarem pelo processo de upscale, em nenhum momento incomodam.
Enquanto a apresentação visual é limitada pelo passado — e tudo o que você pode escolher é o tamanho de exibição do jogo e qual tela de fundo será usada —, o mesmo não pode ser dito de seus temas. A série claramente é feita para um público mais jovem, mas acaba se mostrando muito mais antenada com tendências da tecnologia do que parecia ser em 2001.
Na época em que o primeiro Mega Man Battle Network estreou, a internet ainda era vista como algo restrito e que se acessava pelo desktop. O mundo do jogo acertou ao prever que ela acabaria chegando a dispositivos que carregamos no bolso, e que praticamente qualquer aparelho eletrônico da casa — da televisão até à geladeira e o fogão — teriam alguma espécie de conectividade.
Enquanto a série não acertou tanto em relação aos assistentes pessoais e à existência de um universo digital que guiaria nossas vidas digitais, também dá para encontrar algumas semelhanças com nossa realidade nesse sentido. Afinal, o que foi a moda passageira dos metaversos a não ser uma versão disso, mas que dependia de headsets de realidade virtual e muita boa vontade para funcionar?
Fora esses temas gerais, dá para resumir os capítulos de Mega Man Battle Network ao padrão de “se una contra as forças do bem e derrote esse grupo maligno”, especialmente em seus primeiros capítulos. Mais para frente as coisas acabam ficando mais complexas e recebem algumas nuances, mas nunca chegam a ficar pesadas a ponto de o roteiro conseguir despertar grandes reflexões sobre o bem e o mal.
Coletânea se destaca pelo gameplay
A disponibilidade da série completa em uma coletânea ajuda a observar melhor tanto suas qualidades quanto os defeitos que podem ter feito muitos jogadores a abandonarem no passado. A parte boa é que, desde o primeiro capítulo, Mega Man Battle Network tem um sistema de combates bastante sólido e divertido.
Ao iniciar uma batalha, o jogador recebe uma seleção de cartas aleatórias, e a quantidade delas que é possível usar depende do tipo de cada uma — cada carta possui uma letra, e você sempre pode selecionar todos os itens identificados com ela. Também há a opção de não escolher nenhuma e esperar até o próximo turno para uma seleção mais ampla de escolhas ser aberta.
Independentemente do que você fizer, o personagem também pode usar sua arma convencional, que tira somente um ponto de vida dos inimigos. Se eles não forem derrotados, ou a vida do jogador não chegar ao fim, depois de certo tempo é possível abrir novamente a tela de seleção de cartas e reiniciar o processo de escolha até que a batalha seja encerrada.
Toda a série mantém essa estrutura básica, que vai evoluindo conforme novos capítulos vão saindo. Além de o jogador ter acesso a novas cartas conforme acessa as sequências, novas mecânicas também são desbloqueadas, como a capacidade de segurar o tiro básico para causar mais dano com ele.
Com o tempo, a Capcom também foi fazendo ajustes de equilíbrio e mudando algumas regras simples, mas que têm grande impacto. Ao chegar no sexto jogo, por exemplo, você vai ter muito mais oportunidades de criar combos logo de cara do que no primeiro game, que tornava isso algo mais restrito ao seu endgame.
Da mesma forma, a combinação de cartas se estende além delas terem a mesma letra: o jogador passa a conseguir usá-las em conjunto se elas descreverem o mesmo tipo de ataque, mesmo que tenham identificações distintas. Com a coletânea, dá para observar de perto como os poucos anos que separam cada título foram usados para o refinamento da mesma fórmula básica.
No entanto, a proximidade entre os lançamentos também pode ser encarado como uma desvantagem. Enquanto as evoluções de gameplay acontecem, elas costumam ser sutis, e é difícil não ficar com a sensação de que você está jogando “mais do mesmo” caso decida encarar vários jogos da coletânea de uma só vez.
Isso é especialmente evidente a partir do terceiro título, que passou a chegar às lojas em duas versões no melhor estilo Pokémon. Nesse caso, não vale muito a pena jogar as duas versões do mesmo game, a não ser que você não costume jogar online e não tenha alguém com quem trocar as cartas exclusivas a cada lançamento.
Legacy Collection traz diversas facilidades
Além de facilitar o acesso aos jogos do passado da Capcom, a Legacy Collection traz algumas facilidades que o tornam um pouco mais palatáveis. Desde o começo, o jogador pode ligar a opção “Buster Max Mode”, que faz com que o golpe básico do personagem cause sempre 100 de ano — mais do que suficiente para eliminar a maioria dos inimigos em um único golpe.
Na prática, isso atua mais do que como um modo Easy, já que permite acabar com qualquer batalha em menos de um segundo. Ao mesmo tempo, senti que ele era bastante necessário para conseguir lidar com a irritação que são as batalhas aleatórias extremamente frequentes que surgem especialmente nos primeiros games.
Quando meu objetivo era simplesmente explorar os ambientes, não pensei em duas vezes em ligar o Buster Max Mode, especialmente dado o fato de que esses confrontos não ajudam em nada a evoluir o herói. No entanto, recomendo só fazer isso pontualmente, especialmente dado o fato de que a opção (que pode ser ligada ou desligada a qualquer momento) estraga completamente as divertidas batalhas contra chefes.
Outra facilidade que a coletânea oferece é permitir que os jogadores tenham acesso completo a uma coleção de cartas que anteriormente eram restritas ao uso do Game Boy Reader e a eventos especiais. Isso afeta principalmente do segundo jogo em diante, e pode deixar as coisas extremamente fáceis para qualquer pessoa.
Minha dica é que você só explore as cartas disponíveis para resgate quando tiver avançado mais por uma das aventuras. Caso contrário, se prepare para encarar jogos que ficam bastante desbalanceados a partir do momento em que algum dos itens especiais disponíveis entrar em seu deck.
Vale a pena?
Oferecendo vários jogos interessantes com uma base de gameplay compartilhada, a Mega Man Battle Network Legacy Collection faz um bom trabalho de tornar a franquia mais acessível e de conservação histórica. Cada jogo traz um modo de galeria bastante rico, que ajuda a se aprofundar no processo de desenvolvimento da Capcom e perceber melhor o trabalho dedicado a cada título.
Caso você já seja um fã antigo da série, não há por que pensar duas vezes antes de conferir o lançamento, que foi feito com um alto nível de qualidade. No entanto, caso essa seja sua primeira entrada na série, vale a pena pegar somente um lado da coletânea “para testar as águas”, já que os títulos disponíveis em cada parte são bastante semelhantes entre si.
Resumo para os preguiçosos
Mega Man Battle Network Legacy Collection faz um bom trabalho em atualizar e reunir todos os jogos da série estratégica em um único pacote. Trazendo conteúdos inacessíveis no passado e algumas facilidades, ela apresenta jogos bastante divertidos, mas bastante parecidos entre si. Caso você não seja um fã de longa data, pode ser uma boa ideia comprar cada parte de forma separada para evitar ser vítima de uma repetitividade excessiva.
Prós
- Jogos com gameplay sólido e fácil de aprender
- Games com bom equilíbrio de dificuldade
- Trabalho de atualização visual bem feito e com bom desempenho em todas as plataformas
- Galeria de imagens e músicas funcionam como um bom extra
Contras
- Alguns jogos têm batalhas aleatórias em excesso
- Muitos dos games disponíveis são só versões ligeiramente diferentes um dos outros
- Games disponíveis são bem parecidos entre si, o que contribui para uma sensação de repetitividade