Death Note é mais uma daquelas produções japonesas que parecem dar certo apenas quando estão no Japão. Já foram lançados mais de 100 volumes do mangá original, dois animes, vários filmes live-action, jogos e até um musical, todos fazendo relativo sucesso com os fãs japoneses. A primeira produção ocidental veio através da Netflix, que adaptou a obra num filme e localizou todo o universo de Death Note do nosso lado do globo. Você já deve ter imaginado que não deu muito certo, mas Death Note é uma adaptação ruim ou um filme medíocre? Ambas as coisas.
Death Note conta a história de um adolescente que encontra um caderno que leva à morte qualquer pessoa cujo nome seja escrito nele. Para tanto, o portador do caderno deve escrever o nome da pessoa enquanto pensa no rosto dela, podendo ter certo controle das ações dessa pessoa antes da morte. No mangá/anime original, vimos Yagami Light, um jovem com forte senso de justiça se apossar do Death Note e iniciar uma verdadeira briga de gato e rato contra o detetive mundialmente famoso conhecido como L. Um tentava descobrir a identidade do outro sabendo que sua vida estava em jogo, mas sem nunca pestanejar ou abrir mão de sua ideologia.
A inteligência dos dois, os papéis dos personagens secundários na trama e a forma como a obra original consegue dividir quem estava lendo/assistindo são os pontos mais fortes do mangá/anime original, que infelizmente são deixados de lado na adaptação da Netflix e trocados por protagonistas sem motivação, personagens secundários rasos e uma trama com pouco significado ou identidade e sem peso algum sobre o espectador.
O Death Note da Netflix destoa em muitas coisas do original, logo de início colocando os personagens principais em papéis bem clichês. Light Turner (Nat Wolff) é aquele clássico protagonista isolado do mundo, com uma inteligência incrível que é deixada de lado logo no primeiro ato, fazendo com que o personagem seja nada mais que um adolescente mimado e apaixonado que não tem controle do poder que possui e não sabe o que faz. Completamente diferente de sua versão original, Light aqui não parece ter uma ideologia forte, e se tem, os diálogos fracos do longa deixam de desenvolvê-la.
L (Keith Stanfield), também é mal desenvolvido e embora sente-se da mesma forma e coma muitos doces como a sua versão oriental, as similaridades acabam aí. Assim como Light, L é decepcionante e mal desenvolvido, com motivação fraca que não aparenta ter uma ideologia por trás de suas ações. Sua inteligência passa longe daquela que fez os amantes da obra original se apaixonarem pelo detetive.
Mia (Margaret Qualley) é mais uma daquelas líderes de torcida mal compreendidas que acabam se apaixonando pelo protagonista. A relação dos dois é interessante de início, mas ao longo do filme acaba se tornando apenas mais um romance adolescente, mal desenvolvido assim como os personagens que protagonizam esse romance. Aquela Misa ingênua e perdidamente apaixonada por Kira – esqueça do fato de ela também ter um Death Note na obra original – dá lugar a uma Mia que está ali só para atrapalhar, proporcionar um romance desinteressante fazer volume num elenco já pequeno com personagens subutilizados e mal desenvolvidos.
E falando de personagens subutilizados e mal desenvolvidos, não poderíamos deixar de falar de Ryuk (Willen Dafoe) que na minha opinião era a cereja do bolo do mangá. O senso de humor do personagem e a relação entre ele e Light são esquecidos pela adaptação e o personagem é usado quase como alívio cômico, só que sem a parte cômica. Não há algo relevante para falar de Ryuk, ele parece estar ali só para as pessoas comentarem do mo-cap bem feito e desviar o envolvimento de alguns personagens com certas coisas afim de surpreender o espectador depois, o que não acontece.
O batalha entre L e Kira, que é onde a obra original gira em torno, simplesmente não existe na adaptação da Netflix. As pistas da identidade de cada um caem no colo dos personagens como passe de mágica (ou roteiro de filme policial meia boca, você escolhe) e ao invés de um embate entre mentes super inteligentes e ideologias fortes que dividem de verdade quem está assistindo, temos literalmente um confronto entre adolescentes onde ambos perdem o controle. Não há “luz vs. trevas” ou alguma metáfora de peso que possamos encontrar na rixa dos dois.
Não só as conversas entre L e Kira, que deveriam ser um dos destaques, são fracas, mas a grande maioria dos diálogos do filme são sem importância e não servem para desenvolver os personagens ou ajudar o espectador a entender como eles pensam, suas motivações ou o porquê de fazerem o que fazem.
Se a meta era atingir um público mais amplo com a adaptação sendo localizada em Seattle, não acho que vá dar muito certo. O filme peca em tudo que o material original trazia de bom e ainda conta com falhas de roteiro, com diversos detalhes mal explicados – numa premissa que já não é fácil de se engolir – e mudanças bruscas de tom entre uma cena e outra, indo do romance ao drama e do drama ao suspense em questão de segundos. A trilha sonora é boa, mas usada de forma extremamente incompetente. Em momentos de tensão temos clássicos pop que tiram todo o peso da cena, assim como temos trilhas de rock em momentos dramáticos.
O gore presente no filme passa a impressão de ser desnecessário, dando a Death Note cara de filme de suspense trash – o que se confirma até em cenas onde não há gore – com alguns elementos policiais. O longa realmente não tem identidade e não dá pra defini-lo como um drama supernatural com romance ou filme policial com coisas sobrenaturais, ele é uma salada de frutas que no final acaba não tendo gosto de nada.
Há coisas boas no Death Note da Netflix? Sim. Achei o mo-cap de Willen Dafoe muito bom, temos um Ryuk muito realista, bem diferente das versões japonesas do shinigami. Não sou perito em técnicas de gravação, mas algumas cenas chamam a atenção positivamente como as aparições de Ryuk e o close no lugar onde L cresceu. Há também algumas cenas que te farão rir, mas não por serem divertidas, rir de vergonha alheia mesmo, como a que Light encontra Ryuk pela primeira vez.
Infelizmente isso é tudo. Death Note tem muitos defeitos e é apenas razoável nas coisas em que ele não é ruim, o que resulta em um filme medíocre. Pessoalmente, não sou contra adaptações que destoem muito do material original desde que elas tenham identidade, e isso é exatamente o que falta no filme da Netflix. Tente se lembrar de algum momento memorável do filme, algo que realmente o torne especial. Tente encontrar alguma coisa positiva nas relações entre os personagens ou algo sólido na ideologia de algum deles. Tarefa difícil, não?
Provavelmente teremos uma continuação e eu realmente espero que possam mudar o contexto geral e entregar um filme que seja minimamente interessante ou com alguma cena ou personagens memoráveis, porque isso não conseguimos encontrar em nenhum lugar dessa primeira adaptação de Death Note.
Resumo para os preguiçosos
O Death Note da Netflix é mais uma adaptação de uma obra oriental que não consegue captar o que o material de origem tinha de especial, ao invés disso o filme pega apenas o “esqueleto” do mangá/anime e o encobre com uma trama repleta de furos, sequências inconsistentes que mudam de tom repentinamente e personagens rasos que parecem ter saído mais de um drama adolescente ou filme policial de baixo orçamento.
Não há absolutamente nada de memorável no filme, mas mesmo assim é provável que tenhamos uma sequência. ¯\_(ツ)_/¯
Prós
- Mo-cap de Ryuk é bem feito
- Algumas cenas proporcionam boas risadas
Contras
- Protagonistas fracos e mal desenvolvidos
- Personagens sem ideologia ou motivação forte
- Ryuk subutilizado
- Trilha sonora muitas vezes quebra o clima da cena atual
- Roteiro com muitos detalhes mal explicados
- Gore desnecessário e sem peso
- Cenas finais decepcionantes
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